Complementando a série de matérias sobre a audiodescrição no Ceará, o jornal Diário do Nordeste cobriu a iniciativa de arte inclusiva do CUCA Che Guevara em oferecer ao público com deficiência visual a exposição fotográfica Olhar do Coração, de Jaquelina Rolim, com audiodescrição e consultoria em acessibilidade cultural de Bruna Leão e Klístenes Braga.
ARTE INCLUSIVA
Ver além dos olhos
31.03.2013
A mostra fotográfica “Olhar do coração” lança o desafio: a arte pode romper fronteiras e superar limitações
A arte pode libertar, incluir e através de suas múltiplas linguagens fazer com que diferentes grupos da sociedade possam contemplar um objeto artístico, pondo em xeque os próprios órgãos do sentido: visão, audição, tato, olfato e paladar. Essa é a sensação que se tem ao observar a exposição “Olhar do coração”, da fotógrafa Jaqueline Rolim, que mesmo apresentando limitação visual, é capaz de usar a fotografia como forma de expressão artística.
As fotos são contornadas em alto relevo e contam com audiodescrição fotos: Waleska Santiago
As 12 fotos que compõem a mostra, montada no Centro Urbano de Cultura, Artes, Ciência e Esporte (Cuca) Che Guevara, na Barra do Ceará, é uma demonstração de que a arte pode contribuir para ajudar na superação de limitações. “E se não precisássemos de olhos para ver?” A indagação de Jaqueline Rolim soa como uma provocação, principalmente quando se trata do universo da arte.
De maneira simples como os flagrantes da realidade cotidiana captada por suas lentes, admite: “mobilizada por esta inquietante questão resolvi, em minhas viagens rotineiras, capturar do cotidiano a profusão de cores, sensações e, sobretudo, sentimentos”, define assim a sua escolha pela fotografia.
Jaqueline Rolim continua provocando, ao relatar que “foi observando a cegueira da sociedade que vi a necessidade de mostrar ao mundo através da fotografia, que podemos ver além do visível aos olhos, que podemos sim, pela emoção, sentir e ampliar o conceito de visão que ultrapassa as barreiras da deficiência”.
Atesta que como portadora de deficiência visual, sentiu na pele todas as dificuldades encontradas em ambientes culturais, devido à falta de acessibilidade, justificando a realização da mostra “Olhar do coração”. Apesar das dificuldades, considera que o Estado já avançou, sendo necessária a colaboração de parceiros que apoiem a causa, argumenta.
Processo criativo
A fotógrafa explica como se dá o processo de criação e reclama das configurações dos menus das máquinas digitais, que não são acessíveis, considerando o maior obstáculo técnico encontrado. No entanto, são vencidos, diz com determinação. A realização de cursos e a prática foram suficientes para Jaqueline Rolim se familiarizar com cada símbolo apresentado nas máquinas digitais.
“Em casa, uso o artifício de ampliação da imagem através da tela da televisão e faço os ajustes necessários”, revela, completando que, nos ambientes onde não é possível, usa a parte operacional do menu. Para captar imagens distantes, conta com a descrição de alguém que está ao seu lado. “Só capturo quando existe emoção, ou seja, com o olhar do coração”, avisa. Para a seleção das fotos, mais uma vez, conta com a tecnologia, bem como para a ampliação, que é feita pelo computador juntamente com a lente de aumento. “As fotos são originais sem nenhum tratamento em programas de edição”, garante.
Graças à utilização do recurso da audiodescrição, consiste em descrever por meio de palavras elementos visuais, relevo contornando a imagem e da escrita Braille, portadores de necessidades especiais visuais podem “ver” e imaginar as fotos da exposição.
Assim, é possível perceber que o conceito de inclusão e de libertação perpassa toda a concepção da mostra, a começar pelo espaço que conta com piso tátil, sinalização para pessoas portadoras de necessidades especiais visuais. As fotos contam com legendas em Braille ou as pessoas podem optar pelo uso de aparelhos tipo MP3 com a audiodescrição de cada um dos flagrantes da vida cotidiana, captados pelas lentes da fotógrafa, cujas obras ficam expostas até o dia 21 de abril.
A disposição das 12 fotos da mostra, que começa com a imagem de um sino, finalizando com a de uma taça, mostra a delicadeza do olhar da fotógrafa, ao brincar com as cores num jogo que envolve o preto, o branco e a cor laranja, considerada forte, como o desejo de superar as próprias dificuldades e ajudar a outras pessoas que apresentam limitações semelhantes. A exposição começa a cumprir mais uma função: ajudar a descobrir novos talentos. Francisco Gutemberg Batista do Nascimento, 25, estudante do Projovem Profissionalizante na área de Comunicação e Marketing Social com ênfase em fotografia e vídeo, possui limitações visuais, devido a uma acentuada miopia, desde que nasceu. “Durante meus 25 anos, nunca tinha visto uma exposição”, confessa, fazendo referência à legenda em Braille, bem como à audiodescrição. Antes, conta que teve oportunidade de ler o nome da obra e do autor em visitas a museus ou bibliotecas, mas não podia ver, ou seja, imaginar o objeto.
Emoção
A descrição feita pelo jovem, tal qual a alegria de uma criança ao narrar uma história para mostrar que aprendeu a ler, é emocionante. “São 12 fotos e cada uma possui descrição em Braille e contorno em alto relevo. Tem fone de ouvido do mesmo jeito do áudio-livro”, descreve emocionado.
Ele diz que é uma sensação diferente a de tocar o objeto, sentir e imaginá-lo. Não se trata de uma pessoa retratar o que está vendo para outra. “A foto que mais gostei foi a do trem. Achei a mais bonita de ver e sentir”, diz, destacando, ainda a “rosa laranja que se destaca bem”.
O jovem, que espera o tempo passar para ver sua miopia diminuir, conta que faz curso de fotografia e projeta seguir como profissão. “Gosto de retratar o dia a dia, de tirar uma foto do inesperado, do acaso”, argumenta, afirmando gostar de pintura, filmes e fotografia. No entanto, como nasceu com um alto grau de miopia, fica difícil contemplar uma obra de arte ou assistir a um filme.
Francisco Gutemberg do Nascimento aproveitou a visita à exposição para receber o impulso que faltava para levar adiante o desejo de se tornar fotógrafo. Além de organizar uma exposição, juntamente com os nove integrantes do curso, tendo como tema, pessoas com deficiências que superaram as limitações.
A produtora cultural do Cuca e responsável pela exposição, Juliana Muniz, diz que a particularidade da mostra é que a própria autora das obras sofre de baixa visão. “Pensamos em fazer uma mostra inclusiva”, justifica.
No entanto, esclarece que a exposição segue a filosofia de trabalho do Cuca. “Nosso projeto já prevê a acessibilidade a todas as partes do equipamento como teatro, cinemas, elevadores e banheiros”, destaca José Alves Neto, diretor de Difusão de Programação. Não basta apenas a acessibilidade física do prédio, argumenta, daí a política de inclusão fazer parte da proposta de trabalho.
O diretor cita como exemplo o programa Multiacesso, que oferece teatro, dança, esporte e literatura para jovens com deficiências. O projeto inclui, ainda teatro legendado, contação de histórias para deficientes auditivos e dança para pessoas com problemas de cognição, a exemplo de autismo e síndrome de Down. Eles partilham do mesmo espaço.
IRACEMA SALESREPÓRTER
A arte pode libertar, incluir e através de suas múltiplas linguagens fazer com que diferentes grupos da sociedade possam contemplar um objeto artístico, pondo em xeque os próprios órgãos do sentido: visão, audição, tato, olfato e paladar. Essa é a sensação que se tem ao observar a exposição “Olhar do coração”, da fotógrafa Jaqueline Rolim, que mesmo apresentando limitação visual, é capaz de usar a fotografia como forma de expressão artística.
As fotos são contornadas em alto relevo e contam com audiodescrição fotos: Waleska Santiago
As 12 fotos que compõem a mostra, montada no Centro Urbano de Cultura, Artes, Ciência e Esporte (Cuca) Che Guevara, na Barra do Ceará, é uma demonstração de que a arte pode contribuir para ajudar na superação de limitações. “E se não precisássemos de olhos para ver?” A indagação de Jaqueline Rolim soa como uma provocação, principalmente quando se trata do universo da arte.
De maneira simples como os flagrantes da realidade cotidiana captada por suas lentes, admite: “mobilizada por esta inquietante questão resolvi, em minhas viagens rotineiras, capturar do cotidiano a profusão de cores, sensações e, sobretudo, sentimentos”, define assim a sua escolha pela fotografia.
Jaqueline Rolim continua provocando, ao relatar que “foi observando a cegueira da sociedade que vi a necessidade de mostrar ao mundo através da fotografia, que podemos ver além do visível aos olhos, que podemos sim, pela emoção, sentir e ampliar o conceito de visão que ultrapassa as barreiras da deficiência”.
Atesta que como portadora de deficiência visual, sentiu na pele todas as dificuldades encontradas em ambientes culturais, devido à falta de acessibilidade, justificando a realização da mostra “Olhar do coração”. Apesar das dificuldades, considera que o Estado já avançou, sendo necessária a colaboração de parceiros que apoiem a causa, argumenta.
Processo criativo
A fotógrafa explica como se dá o processo de criação e reclama das configurações dos menus das máquinas digitais, que não são acessíveis, considerando o maior obstáculo técnico encontrado. No entanto, são vencidos, diz com determinação. A realização de cursos e a prática foram suficientes para Jaqueline Rolim se familiarizar com cada símbolo apresentado nas máquinas digitais.
“Em casa, uso o artifício de ampliação da imagem através da tela da televisão e faço os ajustes necessários”, revela, completando que, nos ambientes onde não é possível, usa a parte operacional do menu. Para captar imagens distantes, conta com a descrição de alguém que está ao seu lado. “Só capturo quando existe emoção, ou seja, com o olhar do coração”, avisa. Para a seleção das fotos, mais uma vez, conta com a tecnologia, bem como para a ampliação, que é feita pelo computador juntamente com a lente de aumento. “As fotos são originais sem nenhum tratamento em programas de edição”, garante.
Graças à utilização do recurso da audiodescrição, consiste em descrever por meio de palavras elementos visuais, relevo contornando a imagem e da escrita Braille, portadores de necessidades especiais visuais podem “ver” e imaginar as fotos da exposição.
Assim, é possível perceber que o conceito de inclusão e de libertação perpassa toda a concepção da mostra, a começar pelo espaço que conta com piso tátil, sinalização para pessoas portadoras de necessidades especiais visuais. As fotos contam com legendas em Braille ou as pessoas podem optar pelo uso de aparelhos tipo MP3 com a audiodescrição de cada um dos flagrantes da vida cotidiana, captados pelas lentes da fotógrafa, cujas obras ficam expostas até o dia 21 de abril.
A disposição das 12 fotos da mostra, que começa com a imagem de um sino, finalizando com a de uma taça, mostra a delicadeza do olhar da fotógrafa, ao brincar com as cores num jogo que envolve o preto, o branco e a cor laranja, considerada forte, como o desejo de superar as próprias dificuldades e ajudar a outras pessoas que apresentam limitações semelhantes. A exposição começa a cumprir mais uma função: ajudar a descobrir novos talentos. Francisco Gutemberg Batista do Nascimento, 25, estudante do Projovem Profissionalizante na área de Comunicação e Marketing Social com ênfase em fotografia e vídeo, possui limitações visuais, devido a uma acentuada miopia, desde que nasceu. “Durante meus 25 anos, nunca tinha visto uma exposição”, confessa, fazendo referência à legenda em Braille, bem como à audiodescrição. Antes, conta que teve oportunidade de ler o nome da obra e do autor em visitas a museus ou bibliotecas, mas não podia ver, ou seja, imaginar o objeto.
Emoção
A descrição feita pelo jovem, tal qual a alegria de uma criança ao narrar uma história para mostrar que aprendeu a ler, é emocionante. “São 12 fotos e cada uma possui descrição em Braille e contorno em alto relevo. Tem fone de ouvido do mesmo jeito do áudio-livro”, descreve emocionado.
Ele diz que é uma sensação diferente a de tocar o objeto, sentir e imaginá-lo. Não se trata de uma pessoa retratar o que está vendo para outra. “A foto que mais gostei foi a do trem. Achei a mais bonita de ver e sentir”, diz, destacando, ainda a “rosa laranja que se destaca bem”.
O jovem, que espera o tempo passar para ver sua miopia diminuir, conta que faz curso de fotografia e projeta seguir como profissão. “Gosto de retratar o dia a dia, de tirar uma foto do inesperado, do acaso”, argumenta, afirmando gostar de pintura, filmes e fotografia. No entanto, como nasceu com um alto grau de miopia, fica difícil contemplar uma obra de arte ou assistir a um filme.
Francisco Gutemberg do Nascimento aproveitou a visita à exposição para receber o impulso que faltava para levar adiante o desejo de se tornar fotógrafo. Além de organizar uma exposição, juntamente com os nove integrantes do curso, tendo como tema, pessoas com deficiências que superaram as limitações.
A produtora cultural do Cuca e responsável pela exposição, Juliana Muniz, diz que a particularidade da mostra é que a própria autora das obras sofre de baixa visão. “Pensamos em fazer uma mostra inclusiva”, justifica.
No entanto, esclarece que a exposição segue a filosofia de trabalho do Cuca. “Nosso projeto já prevê a acessibilidade a todas as partes do equipamento como teatro, cinemas, elevadores e banheiros”, destaca José Alves Neto, diretor de Difusão de Programação. Não basta apenas a acessibilidade física do prédio, argumenta, daí a política de inclusão fazer parte da proposta de trabalho.
O diretor cita como exemplo o programa Multiacesso, que oferece teatro, dança, esporte e literatura para jovens com deficiências. O projeto inclui, ainda teatro legendado, contação de histórias para deficientes auditivos e dança para pessoas com problemas de cognição, a exemplo de autismo e síndrome de Down. Eles partilham do mesmo espaço.
IRACEMA SALESREPÓRTER
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